quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Rivoli

Gostei muito do Editorial do Público de hoje, por isso vou transcrevê-lo aqui:
“Concorde-se ou não com os pressupostos da ocupação do Rivoli, o certo é que aquela manifestação contra a anunciada concessão da gestão do teatro a privados teve o condão de inquietar uma cidade cada vez mais abúlica e resignada. Independentemente da sua legalidade, aquela ocupação teve ainda a particularidade de lançar o debate sobre o que poderá ser a oferta cultural como serviço público. Contraproducente ou não, o protesto existe. A existência do teatro Municipal de São João, do Museu de arte Contemporânea de Serralves e da Casa da Música não são argumentos aceitáveis para que a Câmara do Porto se demita da sua função de assegurar uma programação cultural tão diversificada que permita a coexistência de La Féria com Merce Cunningham.
É exactamente esse o papel do Teatro São Luiz, em Lisboa, cuja a gestão está entregue a uma empresa municipal (a Egaec) e em cuja a programação tanto pode figurar Pina Bausch como Cristina Branco. O Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, ou a Casa das Artes, em Famalicão, são outros exemplos de instituições geridas, de facto, segundo critérios de diversidade e de abrangência de públicos sem dogmas e sem atropelos ideológicos.
Deste ponto de vista a gestão de todos os teatros municipais obedece a princípios de natureza empresarial ou, pelo menos, a uma contratualização entre público e privado. Nada obriga, pois, a que os teatros tenham produção própria, mas também nada obriga a que os mesmos sejam uma apática barriga de aluguer, como aconteceu deliberadamente no Rivoli nos mandatos de Rui Rio. O que aconteceu no Porto foi que a Câmara se aproveitou do discurso da crise para convencer a cidade do que o que está em causa são razões de ordem económica, quando os 11 milhões de euros apontados como custos da Culturporto não se referem a uma não de actividade, mas sim a um período de quatro anos. O que está subjacente a esta decisão politica, porque é disso que se trata, é a apologia do anti-intelectualismo mais primário, que esvaziou de competências a empresa municipal Culturporto – e a nomeação da engenheira alimentar Raquel Castelo-Branco para a sua direcção não é um factor de despiciendo – e que procura condicionar a mais elementar liberdade de expressão (veja-se o caso da companhia Art’Imagem). Como também não é despiciendo que a direcção da Porto Lazer, que gradualmente substitui a Culturporto e que é, de resto, uma designação mais apropriada à noção de artes da actual Câmara, tenha sido entregue ao ex-deputado Ricardo Alegre (celebrizado por várias multas por excesso de velocidade).
A demissão autárquica do exercício de qualquer politica cultural digna desse nome é a negação de um serviço público que deveria ser sua obrigação. A cedência de um espaço municipal a apenas uma empresa, cujas as preocupações não deveram transcender uma mera politica de entretenimento ou de lazer, com base num caderno de encargos ambíguo e dificilmente exequível, é um assumido empobrecimento da vida pública e uma diminuição da sua responsabilidade social e cívica.
Amílcar Correia”

Sem comentários: